sexta-feira, 27 de março de 2020

Negros e crise de identidade

É corrente a afirmação de que os negros passam por crises de identidade frequentes. A crise apontada liga-se ao conceito de identidade, essencialmente relacionado à história de vida da população negra nacional e internacionalmente considerada. Tratando-se de processo contínuo, do início ao fim da vida, o que os cidadãos negros assistem e sentem é a discriminação, que se expressa através de um racismo velado - silencioso, gritante e ofensivo, ao mesmo tempo. Conquanto sejam inúmeros os fatores - tantos quantos sejam os problemas sociais e pessoais - essa crise de identidade essencialmente surge da postura social que acaba por revelar insegurança pessoal. Ao refrão deste pensamento cito D'Adesky quando afirma ser o racismo uma prática de "[...] desvalorização da identidade, opondo-se ao direito de cada indivíduo a viver segundo um enraizamento comunitário." Das palavras postas infere-se, por principal consequência na órbita política, a fragilização das populações comunitárias, cultural e etnicamente dessemelhantes.

Em decorrência da alta madrugada, que sibila sonhos ao meu pensamento, encerro este texto com a conhecida passagem de Nelson Rodrigues na obra Abdias: o negro autêntico: "Não caçamos pretos, no meio da rua, a pauladas, como nos Estados Unidos. Mas fazemos o que talvez seja pior. A vida do preto brasileiro é toda tecida de humilhações. Nós tratamos com uma cordialidade que é o disfarce pusilânime de um desprezo que fermenta em nós, dia e noite. Acho o branco brasileiro um dos mais racistas do mundo."

Nelson Rodrigues aponta com veemência uma dissimulação tantas vezes ostentada como motivo de orgulho pelo brasileiro - a crença de que não existe preconceito racial no Brasil. Em consequência, devido ao processo dramático da negação – consolidado em mito - o preconceito contra os negros é fenômeno complexo, de difícil compreensão, deslinde e combate.

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